sábado, 20 de abril de 2013

O poema Contrariedades de Cesário Verde

 Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros.

Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve a conta na botica!
Mal ganha para sopas...

O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopéia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais duma redação, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A imprensa
Vale um desdém solene.

Com raras exceções merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e em paz pela calçada abaixo,
Soluça um sol-e-dó. Chuvisca. O populacho
Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingênuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores.
Arte? Não lhes convêm, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua coterie;
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.

A adulação repugna aos sentimentos finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exatos,
Os meus alexandrinos...

E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe umedece as casas,
E fina-se ao desprezo!

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a réclame, a intriga, o anúncio, a blague,
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras

E estou melhor; passou-me a cólera. E a vizinha?
A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!

Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde

 

OBS: Esse poema de Cesário Verde ele é feito de quartetos, possui o esquema ABBA visto muito no classicismo através dos poemas de Camões, com rimas intercaladas no 1º e 4º verso e emparelhadas no 2º e 3º verso, apresenta aliterações como “Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes, E os ângulos agudos”, e rimas internas "dias" e frias" e etc. O poema faz uma critica a uma sociedade desumana, corrupta, injusta que não liga com o que acontece ao seu redor: doentes que são abandonados e esquecidos pela população e pelos próprios políticos. A personagem predominante no poema é a engomadeira que sofre de uma doença muito grave que é a tuberculose, e o autor ele vai de certa forma tendo uma certa pena da situação da engomadeira, só que ele usa isso para criticar a sociedade e a imprensa, ele quer mostrar a realidade da população mais fraca. Como dito no post anterior os poemas de Cesário Verde apresentam muito o dia a dia não é mais aquela coisa da idealização, da perfeição usada nos poemas dos movimentos literários anteriores.

 

 

Bibliografia: http://www.citador.pt/poemas/contrariedades-cesario-verde

Postado por Munique Kafica

2 comentários:

  1. Flávio, Maria, Mariana e Munique adorei o blog. O poema é lindo e foi muito bem analisado.
    Quando puderem acessem o blog Entre Amigos:http://entre-amigos8.webnode.com/

    Cleide, Danielle, Fabiana, Manoela, Telma e Valtair.

    Abraços.

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  2. Olá,tudo bem?
    Eu adorei a forma como analisaram o poema,pois ficou MUITO bem explicado e claro.
    Espero que os próximos posts sejam tão bons quanto este!
    Beijos e até mais.

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